A primeira Copa no Mundo árabe tem várias bandeiras num novo mapa do futebol no planeta bola. Foi o que se viu ao final da primeira rodada com Inglaterra, Espanha, França e Brasil como favoritos, deixando a Argentina e Alemanha, sob um olhar de desconfiança devido as derrotas surpreendentes que tiveram. Surgem cores e escudos diferentes num país pequeno como anfitrião, mas muito rico, capaz de construir belíssimos estádios bem próximos e transformar a atmosfera deste Mundial num vilarejo multicultural. O Qatar só não está mais alegre porque a FIFA não permitiu o arco-íris da diversidade LGTB+ na tarja dos capitães em campo e não foi à toa que a cantora colombiana Shakira não quis participar da cerimônia de abertura, afinal as mulheres tem obrigações desumanas por lá. Mesmo que sejam regras culturais, são absurdas. Rod Stewart também não foi. Como poderia participar quem compôs The Killing of Georgie, música sobre o assassinato de um amigo gay na década de 1970.
Foi um gol contra, mas que colocou no mapa da Copa uma bandeira simbólica da diversidade em sinal de protesto. A repórter da Sky Sports e ex-jogadora do Arsenal, Alex Scott (foto), entrou ao vivo no gramado minutos antes de Inglaterra x Irã pela Copa do Mundo com a braçadeira de capitão igualzinha a que que Harry Kane foi proibido de usar.
Se Alemanha decepcionou na estreia, os jogadores deram um exemplo de coragem e atitude ao taparem as bocas em sinal de protesto pela proibição da Fifa. Mas dentro de campo, houve sim a diversidade de um futebol mais global e menos centralizado nos dois principais continentes do esporte das chuteiras: América do Sul e Europa, de onde deve novamente sair o campeão.
Japão e Coréia do Sul foram sede da Copa de 2002, onde o Brasil foi pentacampeão. Mas quem diria que a própria Alemanha perderia de virada para o Japão? Foi a primeira vez que os japoneses viraram um placar numa Copa e logo contra uma tetracampeã do mundo.
Os africanos já encantaram com um futebol alegre e também ja haviam surpreendido gigantes do futebol. Na estreia da Copa de 90, Camarões venceu a Argentina de Maradona por 1 a 0. Na Copa de 82, a Argélia havia vencido a Alemanha por 2 a 1. Agora, chegou a vez do mundo árabe se orgulhar, graças a façanha da Arábia Saudita que virou o placar com vitória por 2 a 1 sobre a Argentina de Messi, que inclusive marcou o primeiro gol de pênalti e faz sua Copa de despedida.
Algumas seleções esquecidas no tempo, como País de Gales, de Garett Bale, estão de volta ao mapa do futebol. Quanta emoção, 64 anos depois, empate por 1 x 1 com Estados Unidos.
Ásia, África e também a América do Norte, sede da próxima Copa, começam a mostrar uma nova força. O Canadá perdeu para Bélgica por 1 a 0, mas apresentou um futebol melhor que os belgas em vários momentos da partida. Pararam no melhor goleiro do Mundo, Courtois, que foi decisivo ao defender um pênalti de Alphonso Davies.
Houve um tempo que o futebol parou. Por causa da 2ª Guerra Mundial, não teve Copa em 1942 e 1946. Hoje, a Rússia foi banida da competição por causa da invasão à Ucrânia que também foi prejudicada por estar abatida e mandar seus jogos na Polônia. E lembrar que havia um tempo que a URSS tinha jogadores ucranianos. A Iugoslávia jogava com croatas e sérvios que estão nesta copa com outras bandeiras, hinos e orgulho diferentes. Já tivemos uma Argentina 2 x 1 Inglaterra em 1986, num pós-guerra das Malvinas. Maradona fez o gol de "La mano de Diós" (a mão de Deus) e o golaço do século, quando fez fila nos jogadores ingleses, como um troco à invasão das Ilhas que para os ingleses são Ilhas Falkland.
Triste é ver que o Brasil segue dividido por causa da discussão política nacional e acaba refletindo com brigas, discussões e provocações até mesmo nas arquibancadas no Qatar. Nem a Seleção consegue unir o País. Prefiro no futebol falar de futebol. E que maravilha ver a Seleção vencer a Sérvia da maneira que venceu. Com um futebol consistente, criativo com a marca de um atacante goleador, Richalison, que fez os dois gols, o segundo um dos mais lindos da história da Seleção em Copas. Me lembrou o voleio de Zico contra a Nova Zelândia em 1982. Preocupante, as lesões de Danilo e principalmente Neymar que estão fora da primeira fase, mas devem retornar nas oitavas. Mas o Brasil hoje tem futebol e jogadores para ganhar a Copa sem Neymar. Mas, certamente, sem ele vai ser muito mais difícil.
Ainda é cedo, porém, para apontar uma bandeira tática nesta Copa que já mostra as linhas defensivas de 5 jogadores e às vezes um ataque com 7 atletas, como se viu numa espécie de carrossel ou tic-taka espanhol contra a Costa Rica que rendeu um 7 a 0. Um baile flamenco. Neste embalo, o Catar mostra seu brilho, banhado a ouro de arquitetura moderna ungida pelo óleo do petróleo e inflada pelo gás. Mas se olhar para o passado, verá um país pobre do Golfo Pérsico que vivia da pesca e da exploração de pérolas em ostras. Os catares navegavam em barcos milenares chamados de Dhow, que inspiraram inclusive a construção do estádio Al Janoub, em Wakrah, ao sul de Doha.
As pérolas do futebol começam a surgir na copa árabe como os jovens Gavi, da Espanha, Jude Bellingham, da Inglaterra, Cody Gakpo, da Holanda, e tantos outros. Estas joias se juntam àquelas mais maduras como Messi, Neymar, Modric, Cavani, Cristiano Ronaldo e Mbappé. Cada um com um nácar específico, substância dura dos moluscos que formam a casca da ostra. Uns mais, outros menos, gerando uma expectativa sobre a magia do futebol que é criada em torno daquele talento capaz de encantar o mundo e fazer nossos olhos brilharem.